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Pantera Negra: o filme que esperei a vida inteira para ver

Pantera Negra: o filme que esperei a vida inteira para ver

Pantera Negra

Pantera Negra foi um dos filmes mais aguardados dessa temporada e ele é definitivamente um dos filmes mais importantes dos últimos anos. O filme representa um ponto de virada na representação de personagens negros, sobretudo as mulheres negras no cinema e na cultura pop. Pantera Negra vai entrar para a história.

Pantera Negra não é o primeiro filme do gênero de herói protagonizado por um ator negro. Antes dele já tivemos a trilogia Blade (1998), com Wesley Snipes e o filme Spawn (1997), além de Hancock (2008), com Will Smith. O que tornou Pantera Negra um marco, antes mesmo de sua estreia, foi a presença de um elenco majoritariamente negro, assim como a equipe e a produção por trás das câmeras.

Dirigido por Ryan Coogler (Creed), o filme contou com uma equipe de pessoas negras que finalmente tomaram as rédeas de sua própria história. Do figurino feito por Ruth Carter, que bebeu na fonte da ancestralidade de diversas etnias africanas, assim como no afrofuturismo, à trilha sonora com curadoria de Kendrick Lamar e composta por Ludwig Göransson, tudo no filme é uma exaltação a cultura negra.

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Os pequenos detalhes do filme também são declarações políticas sobre a negritude, do cabelo das mulheres protagonistas, em que não se vê nenhum tipo de alisamento e sim uma variedade de texturas crespas, ao sotaque de T’Challa, que é uma resposta à supremacia branca e ao colonialismo. Não haveria como a nação de Wakanda, que nunca foi conquistada pelos europeus, falar com um sotaque europeu, como o próprio ator Chadwick Boseman já chegou a declarar.

Cumprindo o seu papel de blockbuster, Pantera Negra também já entrou na lista das melhores bilheterias da década, até o momento o filme já arrecadou $361 milhões no mundo, ficando à frente de Deadpool, até então a melhor estreia do gênero. Isso também representa um marco, pois finalmente a velha ideia de executivos brancos de que produções com protagonistas negros eram gêneros de “nicho” que não davam dinheiro e não mereciam um investimento maior caiu por terra. 

Esse marco deve influenciar os próximos lançamentos, como Pacific Rim 2, protagonizado por John Boeyga. Assim como o sucesso do filme da Mulher-Maravilha derrubou a mesma ideia ultrapassada de que produções com protagonistas femininas não davam dinheiro, e fez a Marvel acelerar o filme da Capitã Marvel, Pantera Negra tem tudo para bater recordes também nessa área  e mudar a forma como a mercado cinematográfico vê os protagonistas de cor; mas isso só o tempo dirá.

Para além dos detalhes por trás da produção e o que ela vai representar no futuro, vamos falar porque o primeiro filme de um super-herói negro da Marvel é uma das melhores produções do gênero e o que ela representa tanto para os homens quanto para as mulheres negras na cultura pop, pois elas finalmente ganharam uma representação sem estereótipos e longe de uma narrativa única que limita a percepção de que pessoas não brancas também são seres humanos. Além do que Wakanda representa para a diáspora negra de um modo geral.

Wakanda Forever

Pôster do filme Pantera Negra
Pôster do filme Pantera Negra

O fictício país de Wakanda representa lindamente o que poderiam ser os países do continente africano se os mesmos não tivessem sido explorados e colonizados pelos países europeus. É uma utopia afrofuturista, com naves em formatos nunca vistos, edifícios com construções mais orgânicas que mesclam construções tradicionais de aldeias africanas com o design único que a tecnologia fornecida pelo vibranium permite.

No início do filme conhecemos a mitologia do país, desde a sua formação após a queda do meteoro de vibranium, até as suas quatro tribos, a cada tribo é dada uma variedade de indivíduos que formam a unidade da nação de Wakanda. Também nos é mostrado que Wakanda preferiu se isolar dos outros países a ajudá-los quando os mesmos foram invadidos, explorados e seus habitantes foram sequestrados escravizados.

A origem do Pantera Negra também é revelada, além de conhecermos as cerimônias e rituais que remetem a uma ancestralidade que nos foi roubada e demonizada. Ver tudo isso na tela sendo exaltado e nos dando a ideia do que poderíamos ter sido é emocionante e não tenho dúvidas de que muitas pessoas desejariam se mudar para Wakanda depois de ver o filme.

Para além, nas poucas cenas que nos dão uma ideia de como o povo da região é, podemos ver uma variedade de indivíduos negros, homens e mulheres com vários corpos diferentes, com um estilo único de se vestir ligado as tradições, mas ao mesmo tempo moderno, que fala muito com a geração de tombamento que toma as ruas atualmente e é aí que se percebe também o cuidado de uma produção feita por seus pares, longe do olhar de fora de como a população negra deveria ser e se comportar. Somos plurais e a população de Wakanda retrata isso.

As Dora Milaje

Grande parte da expectativa desse filme também estavam na representação das mulheres negras e um dos elementos principais são as Dora Milaje, a guarda real que protege Wakanda e o rei. Comandadas pela general Okoye, interpretada pela excelente Danai Gurira, elas são tudo o que foi prometido nos trailers, fortes, poderosas e unidas, se preocupando umas com as outras. Sem falar que as cenas em que elas lutam juntas são de tirar o fôlego.

Okoye é a que melhor representa essas guerreiras honradas que fazem de tudo para proteger o seu país. A representação das Dora Milaje poderia cair facilmente no estereótipo de mulher negra raivosa sempre pronta para a briga, que muitas produções já utilizaram, mas em Pantera Negra a personagem de Okoye mostra que elas podem ser ao mesmo tempo fortes, gentis, apaixonadas e respeitadas, dando uma camada a mais para as emblemáticas guerreiras do país.

Tradução: A Dora Milaje é um feroz exército feminino no filme Pantera Negra da Marvel… mas muitas pessoas não sabem que elas são baseadas parcialmente em um verdadeiro exército de mulheres da África chamado Dahomey Amazons. Em uma época foram consideradas como as mulheres mais temíveis do mundo.

Além do fato da estética das mesmas ser muito marcante, com as cabeças raspadas e com um tipo de beleza andrógina que faz referência a Grace Jones. Também precisamos falar do uniforme lindo e cheio de detalhes que cobre o corpo inteiro das mulheres, fugindo do clichê das amazonas semi-nuas que vimos no filme do Liga da Justiça (que diferença faz uma mulher na produção).

O papel das mulheres negras em Pantera Negra

Por muitas vezes o personagem principal T’Challa (Chadwick Boseman) acaba ficando em segundo plano dada a força que o elenco feminino tem, com Angela Basset como a rainha Ramonda, Lupita Nyong’o como Nakia, que é muito mais que o interesse amoroso do protagonista, e Letitia Wright, que interpreta Shuri, a irmã do príncipe e que rouba a cena toda vez que aparece, além da já citada Danai Gurira como a general Okoye.

Cada personagem tem a sua importância, que foge dos clichês que rodeiam personagens femininas e principalmente mulheres negras. Shuri é uma cientista que nunca soube quem foi Albert Einstein ou qualquer outro homem branco símbolo de inteligência, ela é segura quanto a sua capacidade e trata tudo com humor, já que a mesma é respeitada e não precisa provar nada e nem competir com ninguém. Quantas representações de mulheres negras cientistas você já viu? E em quantas delas a mulher tinha que provar o seu valor constantemente?

Cena do filme Pantera Negra: Duas mulheres negras olhando para frente.
Lupita Nyong’o e Letitia Wright em cena do filme Pantera Negra. Imagem: reprodução

Nakia cairia fácil no papel de donzela em perigo, mas a espiã da Tribo do Rio é forte decidida e tem um papel importante na trama que não está atrelado ao seu par romântico, além de ter as suas próprias opiniões em relação a política de Wakanda, deixando isso claro para o rei. Ela também é uma das guerreiras mais fortes de sua tribo, provando que uma personagem feminina não precisa ser plana e ter um único propósito.

Já a rainha Ramonda é um dos alicerces do país e tem um papel fundamental em uma das reviravoltas do filme, o que nós faz pensar que sem essas mulheres o país não seria a potência que é. Elas nunca ficam em segundo plano e nunca são representadas com os estereótipos comuns a personagens negras nas produções da cultura pop. É tanta pluraridade que poderíamos fazer um filme só sobre as Dora Milaje.

O amigo branco

Falando em estereótipos temos que falar do personagem Everett Ross (Martin Freeman), um cara branco que não tem história de background, quase nenhuma fala relevante, serve como alívio cômico e apesar de você gostar dele, não faria diferença nenhuma na trama se ele morresse. Vocês já viram isso antes?

Ele representa a inversão do amigo negro ou a forma como a maioria das pessoas não brancas é representada nos filmes, vide o personagem Falcão nos filmes do Capitão América ou o Máquina de Combate dos filmes do Homem de Ferro, dando dois exemplos rápidos.

Imagino como deve ter sido para as audiências brancas se ver representada dessa forma pela primeira vez. O personagem Garra Sônica (Andy Serkys) também cai no mesmo clichê invertido, digamos assim, já que os dois são os únicos personagens brancos relevantes do filme.

As motivações de Killmonger

Killmonger
Killmonger

É notável que os filmes da Marvel carecem de bons vilões, a maioria dos filmes cai na velha fórmula batida do antagonista que quer dominar o mundo ou odeia o mocinho e blá blá blá, tendo como exceção apenas o Loki, de Tom Hiddleston, e agora o vilão Erik Killmonger, de Michael B. Jordan.

A dinâmica dele e a sua relação com T’Challa funciona muito como a antagonismo de ideias de Martin Luther King Jr. e Malcom X, em que um pregava a revolução pacífica enquanto o outro entendia que só seriamos livres se usássemos a mesma força que foi usada contra nós. Nesse quesito os dois tem razão nas suas visões, mesmo não concordando na forma.

Em Pantera Negra, o mesmo tipo de embate ideológico é posto em cena, e não temos como não nos identificarmos com as motivações de Killmonger. No fim, tanto Killmonger quanto T’Challa querem a mesma coisa, mas com métodos diferentes.

As questões políticas em Pantera Negra

O imperialismo, colonialismo e escravidão são um dos temas centrais desse filme, quando Killmonger questiona a funcionária de um museu se eles são mesmo donos de peças históricas pertencentes a países africanos invadidos pelos ingleses, não tem como não ver o constrangimento que isso causa até hoje (vide o museu do Louvre e as peças egípcias que eles se recusam a devolver ao seu país de origem).

Muitas questões atuais como a crise dos refugiados e o muro de Trump são tratados de forma sutil no filme, além do racismo e violência que assolam a população negra da diáspora, principalmente nos EUA.

Um dos flashbacks do filme se passa em 1992, ano das revoltas em Los Angeles pela absolvição dos policias que torturaram e mataram Rodney King.

Tudo isso é colocado de forma sutil, mas potente e ter essas questões expostas em um blockbuster que atingirá o mais variado tipo de público é muito importante.

Cena do filme Pantera Negra.
Cena do filme Pantera Negra. Imagem: reprodução.

Wakanda e o filme do Pantera Negra representam muitas coisas que vão além do gênero filme de super-herói e das histórias de origem um tanto quanto gastas nessas produções que dominaram as duas primeiras décadas desse século.

Para além das discussões utópicas de como seria a vida da população negra, se não estivéssemos ainda colhendo os frutos de séculos de escravidão, racismo e violência que nos afetam diariamente. Ele representa uma mudança na forma como somos vistos na cultura pop.

Nos anos 1990, Wesley Snipes já havia tentando adaptar a obra do Pantera Negra para o cinema, mas não teve sucesso e talvez ela não tivesse tido o impacto que ela tem atualmente se tivesse sido dirigida e produzida pelos mesmos caras brancos de sempre.

Eu gostaria de ter crescido com as Dora Milaje como exemplo de mulheres negras unidas, fortes e guerreiras, ou com a Shuri como inspiração de mulher negra na tecnologia (minha área profissional atualmente) ou com uma imagem de um homem negro íntegro, que ama outra mulher negra, que eu pudesse admirar e querer casar, como no caso do Chadwick Boseman, e com os mais variados exemplos de beleza e personalidades negras que me foram negados na infância detonando com a minha auto-estima. Infelizmente precisei de trinta anos para poder ver um filme que representasse tudo isso e esse é apenas o primeiro.

A expectativa é que ele abra as portas não só para mais filmes de pessoas não brancas e protagonistas femininas, produções que geram dinheiro para os grandes estúdios presididos pelos mesmos caras brancos colonizadores de sempre, mas também para os atores, produtores, maquiadores, diretores, figurinistas, roteiristas e quem mais quiser contar as suas histórias sem ser colocado em um nicho limitador. Inspirando e influenciando a vida de crianças e jovens nesse processo de mudança.

Grupo de pessoas em frente ao pôster do filme Pantera Negra
Imagem: reprodução.

E mesmo tendo gostado do filme e esperando que ele faça toda essa revolução a pergunta que fica é: quantos anos mais vamos precisar para vermos mais filmes como o do Pantera Negra?

*Texto publicado originalmente no site Delirium Nerd.

**Créditos da imagem em destaque: Ryan Meinerdin.

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