Mulheres Negras no Rock: Parte 9 – Lady Bo e as guitarristas

Mulheres negras no rock - Guitarristas

Na penúltima parte da série de matérias sobre as mulheres negras que são importantes para o rock vamos falar das guitarristas que fizeram história e também dos novos nomes dos últimos anos. Temos Peggy “Lady Bo” Jones, Beverly “Guitar” Watkins, Malina Moye, Diamond Rowe e Jackie Venson.

Quando falamos da participação das mulheres negras no rock, ela pode ficar relegada a posição de backing vocal da banda principal ou de objeto de desejo dos outros músicos, algumas se destacaram pelos seus vocais poderosos, mas ver uma mulher negra tocando guitarra era algo raro e até hoje causa estranheza em algumas pessoas.

Sister Rosetta Tharpe foi uma das primeiras mulheres negras guitarristas a alcançar o sucesso ainda na década de 1930 e junto com ela também tivemos Memphis Minnie no blues. Nos anos 1950 com a popularização do rock, Lady Bo surgiu fazendo o seu rhythm and blues. Tocando ao lado de Bo Diddley, ela ajudou a definir as guitarras da época e abriu caminho para outras mulheres, ficando conhecida como a “Rainha mãe da guitarra”. Hoje vamos conhecer a história dessa lenda da guitarra e de outras mulheres que seguiram os seus passos.

Lady Bo: “The Queen Mother of Guitar”

Lady Bo. Foto: Jon Sievert
Lady Bo. Foto: Jon Sievert

Peggy “Lady Bo” Jones nasceu em 19 de julho de 1940, no Harlem em Nova Iorque. Aos 15 anos ela começou a tocar guitarra e apenas dois anos depois ela teve o seu primeiro encontro com Bo Diddley antes de um show. O músico ficou impressionado ao conhecer uma jovem garota guitarrista e a convidou para jantar em seu camarim depois do show. Em uma entrevista Peggy descreveu como foi o encontro com o músico:

“(…) Ele abriu a sua guitarra, me pediu para pegar a minha e tocar algo. Quando eu abri o meu case, ele riu mais alto do que eu já havia ouvido antes. Eu queria saber o que era engraçado. Histérico ele disse: ‘o que é isso?’ Ele nunca tinha visto uma guitarra Supro antes. Eu disse: ‘Agora essa é uma pergunta idiota! Primeiro você provavelmente nunca viu uma garota carregando uma guitarra pela rua antes e quer saber se eu toco isso, você acha isso engraçado?’ Ele disse: ‘NÃO!’ Eu continuei: então você insultou o meu instrumento e eu ouço Wes Montgomery, Kenny Burrell e Charlie Parker e EU ACHO que já ouvi falar de você! Você acha isso engraçado? Ele disse: ‘Não, mas eu gosto da sua atitude, vamos tocar alguma coisa’. Eu disse OK e o resto é história.” – Lady Bo em entrevista para Lea Gilmore.

Depois desse encontro Peggy entrou para a banda de Bo Diddley em 1957. Apesar de muitos confundirem, ela nunca nunca teve nada além de uma relação profissional com Diddley. Ela se casou com Wally Malone, baixista de sua banda, mudando o seu nome para “Peggy Malone” posteriormente.

Diddley ensinou as suas técnicas e segredos para Peggy e ela acabou se tornando o seu braço direito, fazendo uso de efeitos com a guitarra que acabaram a destacando das outras guitarristas. Além de tocar guitarra, Lady Bo também fazia os backing vocals de algumas canções. As músicas “Hey Bo Diddley”, “Say Man”, “Say Man Back Again” e “Road Runner” são algumas músicas que tem a contribuição de Lady Bo. Em “Aztec” ela contribuiu com as guitarras e a composição, mas os créditos ficaram Diddley. A sintonia entre os dois era tão grande que, segundo Peggy, em algumas canções você não conseguia dizer de quem era a parte da guitarra de quem. Juntos eles criaram o som que definiu as guitarras de rhythm and blues da década de 1960.

Em 1961 ela deixou a banda de Bo Diddley para se dedicar a sua carreira solo com a sua banda The Jewels e também participou de trabalhos com nomes como The AnimalsJames Brown. Em 1970, Peggy voltou a trabalhar com Bo Diddley e integrou a sua banda The Jewels a equipe de Diddley. No seu primeiro show de retorno o público estava tão empolgado com a volta de Peggy que cantaram “Lady Bo” para ela e foi assim que ela ganhou o seu apelido. Eles permaneceram juntos até a década de 1990 e nas décadas seguintes ela continuou fazendo shows.

“Eu não sou uma artista que faz cópias nem sou filha de alguém famoso. Eu trilhei o meu caminho muitos anos atrás para provar que eu posso sim fazer isso. Me veja voar!” – Lady Bo.

Lady Bo fez história na música como uma das primeiras guitarristas a romper com estereótipos de guitarristas femininas da época. Herdando o legado de Sister Rosetta Tharpe e Memphis Minnie, guitarristas negras que emergiram na década de 1930, e se apresentando de maneira diferente de sua contemporânea Wanda Jackson, ela entrou para a história como uma das pioneiras na guitarra, sempre experimentando com novos instrumentos e efeitos. Lady Bo costumava tocar uma guitarra Gibson e usava um sintetizador de guitarra Roland.

A sua atitude, talento e inovação com a guitarra abriram caminho para que nas décadas seguintes outras mulheres pudessem dominar e inovar com as guitarras, como Poison Ivy do Cramps na década de 1970 e, mais tarde, as garotas do movimento Riot Grrrls nos anos 1990.

Lady Bo é pouco lembrada na história do rock pelos seus feitos e talento de virtuose. Por ter ajudado a moldar a forma como se toca guitarra, muitos a consideram a mãe do rock and roll e ela de fato tem o seu nome garantido na história da música, apesar do pouco reconhecimento. Infelizmente existem poucos registros ao vivo do seu trabalho, principalmente de sua carreira solo. Ela faleceu em 16 de setembro de 2015 aos 75 anos.

Bo Diddley e Lady Bo – You’re Crackin’ Up:

Lady Bo:

Beverly “Guitar” Watkins: a rainha do blues

Beverly "Guitar" Watkins
Beverly “Guitar” Watkins

Beverly “Guitar” Watkins nasceu em 6 de abril de 1939, em Atlanta no estado da Georgia. Beverly conheceu nomes como Sister Rosetta Tharpe, Ma Rainey, Bessie Smith e Memphis Minnie ainda muito nova ouvindo os discos de sua mãe. Aos oito anos de idade ela aprendeu a tocar guitarra com as suas tias.

Em 1959 ela entrou para a banda Piano Red. Eles se apresentavam em colégios da sua região e com o tempo começaram a fazer turnês nacionais, chegando a abrir shows para nomes como Ray Charles e James Brown. O grupo teve alguns sucessos como “Dr. Feelgood” e “Right String But The Wrong Yo-Yo”.

Em 1965 Beverly deixou a banda e começou a trabalhar com Eddie Tigner dos Ink Spots. Após sofrer um AVC, ela teve que dar uma pausa na carreira musical e precisou trabalhar limpando casas e lavando carros antes de conseguir voltar para a música. Ela então conseguiu retornar à guitarra trabalhando com Leroy Redding e ficou com ele até o final da década de 1980. Posteriormente ela se separou de Redding e voltou para Atlanta, onde fixou as suas apresentações no clube Underground Atlanta, acompanhada de um baterista e de seu filho no baixo. Nesse período ela se desenvolveu suas habilidades no canto e na harmônica.

O seu primeiro disco Back in Business só foi lançado em 1999. O seu estilo mistura elementos do roadhouse blues, jazz e rockabilly-blues. Ao longo de sua carreira Watkins trabalhou com nomes como James Brown, B.B. King, Otis Redding e Ray Charles. Ela foi uma das mulheres pioneiras no blues da época e ficou conhecida no meio por todo o seu talento e intensidade na guitarra. Muitos diziam que ela tocava “como um homem” quando queriam elogiar as suas habilidades com a guitarra. Nos anos 2000 ela superou um câncer e continua se apresentando até hoje, no alto do seus 78 anos.

“Quando estávamos no ventre de nossas mães, Deus decidiu o que queria que nós fossemos e ele queria que eu fosse uma musicista”. – Beverly “Guitar” Watkins no OffBeat Magazine.

Veja um mini documentário sobre a guitarrista:

Malina Moye: a deusa do Funk-Rock

Malina Moye
Malina Moye

Malina Moye é considerada uma das dez melhores guitarristas dos últimos anos e tem até uma linha de guitarras Fender criada especialmente para ela que é canhota. Ela também é uma das poucas guitarristas capazes de tocar tanto soul quanto rock com maestria. Malina ganhou a sua primeira guitarra aos dez anos de idade e começou a tocá-la invertida para adaptá-la a sua mão esquerda.

Eleita pela revista Guitar World uma das dez melhores guitarristas da atualidade, ela coleciona prêmios e pioneirismos no mundo da música. Ela foi a primeira mulher negra a tocar o hino nacional com a sua guitarra em um evento esportivo e também no Rock & Roll Hall of Fame em um tributo a Chuck Berry. Além de se apresentar para a Rainha da Inglaterra no jubileu de 60 anos da monarca, tocando “God Save The Queen”. Moye foi a primeira guitarrista mulher a participar da Experience Hendrix Tour e também participou do documentário Stratmaster: The Greatest Guitar Story Ever Told.

Malina faz um funk-rock com influências de Jimi Hendrix, Prince, Led Zeppelin e Janet Jackson. A sua presença de palco e estilo também contribuíram para que ela arrancasse elogios da velha guarda da música e admiração de novos músicos, é impossível ignorar Malina quando ela está se apresentando no palco. O seu primeiro álbum Diamonds & Guitars foi lançado em 2009 e em 2014 ela lançou o álbum Rock & Roll Baby, ela também contou com a participação da lenda Bootsy Collins no seu single “K-yotic”. Além de detonar na guitarra, Malina também é cantora, compositora, empresária e rainha de tudo.

“Olha, minha mãe me disse uma vez: não importa o que você vá fazer, o que você vá ser, faça com paixão. Eu sou boa como qualquer homem, e vou continuar a fazer o meu caminho sem olhar para essas barreiras. Claro que esse mundo poderia ser aberto para mais garotas, mas acho que você tem de exigir o respeito que você merece e não se intimidar. Essa é a primeira lição.” – Malina Moye em entrevista para a Carta Capital.

Malina Moye “A Little Rough” Live – Never Again Peace Concert:

Malina Moye – K-yotic ft. Bootsy Collins:

O Thrash Metal de Diamond Rowe

Diamond Rowe
Diamond Rowe

Diamond Rowe é uma das fundadoras da banda de Thrash Metal Tetrarch. Ela formou a banda em 2007, ao lado de Josh Fore e Tyler Wesley, em meio ao sucesso do Nu Metal da metade dos anos 2000. Rowe é uma das guitarristas mais talentosas da última década e se destaca por ser uma mulher negra guitarrista no metal, gênero ainda dominado por caras brancos.

O talento de Diamond Rowe com a guitarra é de deixar qualquer um de queixo caído, a sua banda tem influências de grupos como Slipknot, Linkin Park e Metallica. Diamond começou a tocar guitarra aos 12 anos de idade e desde cedo percebeu que queria fazer parte da cena do metal. Entre alguns dos guitarristas que a influenciaram ela cita Kirk Hammett do Metallica, Slash do Guns N’ Roses e Mark Morton do Lamb of God.

Em entrevista para o site Alternative Press, Diamond deixou um conselho para garotas negras que querem fazer parte do mundo do Heavy Metal:

“O meu conselho seria apenas faça. A pior coisa que você pode fazer é colocar limites em você por causa de quem você é (…). Quando eu comecei a tocar eu nunca me concentrei no fato de que eu era diferente, até as pessoas começarem a chamar a minha atenção pra isso. Eu tocava pela paixão e amor por este gênero musical e quando você faz isso e segue o seu coração não pode dar errado, mas isso não vem do dia pra noite. Pratique como os garotos fazem, toque o que os garotos tocam e seja tão boa quanto eles, senão melhor.” – Diamond Rowe no altpress.com

Tetrarch – “Relentless”:

A revelação Jackie Venson

Jackie Venson
Jackie Venson

Jackie Venson começou aprender música aos oito anos de idade, seu pai era um músico reconhecido em Austin no Texas dos anos 1980 e Jackie herdou o talento da família. Contudo ela só começou a tocar guitarra em 2011 durante o seu último ano na faculdade de música, onde ela estudava piano. Ela já lançou dois discos The Light in Me (2014) e Live at Strange Brew (2016) em sua curta carreira, ela já excursionou pelos EUA e Europa.

Venson faz um som que mistura elementos do Blues, Rock, R&B e Soul, com uma voz cheia de personalidade e letras introspectivas, ela já chegou a ser comparada a cantoras como Joss Stone e Amy Winehouse.

Todo o talento e personalidade dessa multi-instrumentista faz com que ela seja uma das grandes revelações dos últimos anos, fazendo uma música que não se encaixa em um único gênero.

“A minha música não se encaixa em um nicho, eu sigo várias direções. Geralmente eu estou naquela área cinza entre Blues, Gospel e Rock. Eles todos têm raízes no blues, o que eu acho que pode ser o “nicho”, mas se você colocar pra tocar minha música esperando só ouvir blues você vai ficar desapontado.” – Jackie Venson no gadflyonline.com

Jackie Venson – Always Free:

Jackie Venson – Flying:

No último post do especial falaremos das mulheres negras no rock nacional. Não perca!

Ouça a playlist especial Mulheres Negras no Rock:

Leia os outros posts do especial:
Mulheres Negras no Rock: Parte 1 – De Sister Rosetta Tharpe ao esquecimento
Mulheres Negras no Rock: Parte 2 – Tina Turner, Odetta e os anos 1960
Mulheres Negras no Rock: Parte 3 – Betty Davis e os anos 70
Mulheres Negras no Rock: Parte 4 – Poly Styrene e o punk rock
Mulheres Negras no Rock: Parte 5 – Grace Jones e as cantoras dos anos 80
Mulheres Negras no Rock: Parte 6 – De Lisa Fischer ao rock alternativo dos anos 90
Mulheres Negras no Rock: Parte 7 – Tamar-kali e a renovação nos anos 2000
Mulheres Negras no Rock: Parte 8 – Britanny Howard e os novos nomes
Mulheres Negras no Rock: Parte 10 – Mahmundi e as brasileiras

Fontes:
http://afropunk.com/2011/07/lady-bo-the-queen-mother-of-guitar/
http://www.independent.co.uk/news/obituaries/lady-bo-the-mother-of-the-electric-guitar-whose-rhythm-playing-became-a-vital-part-of-the-bo-diddley-a6670936.html
http://www.offbeat.com/articles/comeback-queen-beverly-guitar-watkins-isnt-slowing/
http://soozebluesjazz.weebly.com/beverly-guitar-watkins.html

http://www.altpress.com/features/entry/tetrarch_pull_the_trigger_music_video

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