Majesty Crush: uma raridade do shoegaze

Majesty Crush

O Majesty Crush é uma banda de shoegaze formada no começo dos anos 1990, com apenas um álbum lançado a banda se tornou uma raridade quase perdida no tempo, mas que retorna com uma coletânea dupla.

Formada em Detroid, Michigan, por Odell Nails III na bateria, Hobey Echlin no baixo, Mike Segal na guitarra e David Stroughter nos vocais, a banda lançou seu primeiro e único álbum Love15 em 1993 e pouco tempo depois se separou.

Majesty Crush. Da esquerda para direita: Hobey Echlin, David Stroughter, Odell Nails III e Mike Segal. Foto: Merlyn Rosenberg.
Majesty Crush. Da esquerda para direita: Hobey Echlin, David Stroughter, Odell Nails III e Mike Segal. Foto: Merlyn Rosenberg.

Músicas como “No.1 Fan” e “Boyfriend” davam o tom da banda que falava sobre fãs obcecados, assassinatos de presidentes, tenistas famosas e atrizes pornôs em suas letras com uma sonoridade dream pop e shoegaze.

Eu conheci o Majesty Crush por acaso em uma playlist aleatória, mas fiquei hipnotizada logo nos primeiros riffs de guitarra que ouvi com um som característico da década de 1990, mas que é surpreendentemente atual.

O grupo nasceu da dissolução da banda de pós-punk de Odell Nails e Hobey Echlin chamada Spahn Ranch, os dois são de Detroit, cidade conhecida por ser o coração da Motown e núcleo da música soul e negra em décadas passadas e também lar da banda Death, mas que na época experimentava o seu período de decadência.

O vocalista David Stroughter, que era amigo de Odell, acabou conhecendo Echlin quando fez alguns vocais como convidado da antiga banda. Um tempo depois eles formaram o Majesty Crush. Na época ter dois membros negros em uma banda de rock indie era uma raridade, David e Odell criaram um laço de amizade pela música e talvez pelo fato de serem os únicos homens negros no ambiente em que se conheceram. David apresentou bandas como A.R. Kane para Odell e juntos eles criaram um som com influência da Motown e da cena alternativa.

Odell Nails III. Imagem: reprodução.
Odell Nails III. Imagem: reprodução.

Em entrevista para o Metro Times Hobey Echin falou sobre a sonoridade da banda na época: “Nossa música era simples e espacial, mas as letras e o canto de Dave eram profundos e sombrios. Era Marvin Gaye cantando Syd Barrett, cheio de saudade, luxúria e autodepreciação. Dave era um mistério inocente, totalmente inspirado, melancolicamente efêmero, perfeitamente visceral, completamente formado. Ele foi nossa centelha criativa, nosso presente de fogo.”

O vocalista David Stroughter era, de fato, o ponto fora da curva da banda, filho de pai negro e mãe alemã, ele e Odell eram dois garotos negros em meio a uma cena músical alternativa dominada por brancos na época e sua banda era uma das únicas a ter membros negros.

Da mente dele saíram canções como “Boyfriend” sobre um pretendente a namorado com tendências assassinas e “No.1 Fan” sobre um fã obcecado pela atriz Jodie Foster que ameaçou matar o presidente apara chamar a atenção da atriz. O cantor, que era extremamente talentoso, também batalhava com a sua saúde mental e muitas vezes era descrito como um anjo e um demônio ao mesmo tempo. Aos 27 anos de idade ele foi diagnosticado com transtorno bipolar e a convivência com ele podia ser um pouco difícil.

“Dave era um amor para se ter por perto até ele não ser mais.” – Mike Segal na The Fader

Majesty Crush em 1992. Imagem: Reprodução.
Majesty Crush em 1992. Imagem: Reprodução.

Em 1992 a banda lançou o seu single de estreia “Sunny Pie“, onde o vocalista versava sobre conhecer um funcionário de uma loja de livros 18+ que o levou pra casa e o mostrou o que era a verdadeira felicidade.

Em uma era em que o grunge dominava as rádios com um som pesado o Majesty Crush fazia um som mais emocional. “Nós não tinhamos um som como o das outras bandas que só queriam soar como o Nirvana.(…) Nós aceitamos as nossas limitações e acabamos soando diferente de todo mundo.” – Hobey Echlin no The Fader.

Na mesma época eles lançaram o EP “Fan” com uma amiga da banda sorrindo na capa e o hit “No 1. Fan”, um single com sonoridade do britpop sobre o stalker de Jodie Foster, a música deixou a banda conhecida na região e despertou a atenção das gravadoras locais. Eles assinaram com a Dali Records e surfaram na onda do pós Nirvana, com um som que poderia fazer sucesso no Reino Unido e com uma banda multi-racial eles sabiam que tinham algo diferente a oferecer.

Com o apoio da gravadora e o potencial da banda eles começaram a gravar Love15 com alguns dos melhores profissionais da época como Howie Weinberg, que já havia trabalhado com nomes como Sonic Youth e Public Enemy. A gravadora tinha grandes planos para o Majesty Crush, porém o álbum que deveria ser lançado em setembro de 1993 não viu a luz do dia. A gravadora fechou as portas um mês antes do lançamento e os membros da banda ficaram abalados com a situação. Todo o trabalho e potencial de estourar no mainstream tinha sido interrompido.

Ainda lamentando o ocorrido com a gravadora, eles continuaram trabalhando e lançaram o EP “Sans Muscles” em 1994. O trabalho conta com a canção “Seine“, sobre a mãe de David, uma atriz alemã que desistiu da carreira e de seus sonhos para se mudar para um país diferente e cuidar da família. A música é um dos melhores trabalhos do grupo. Durante esse período as brigas começaram a acontecer e pouco tempo depois o grupo acabou.

Cada membro seguiu um caminho diferente com Mike Segal se tornando um famoso artista gráfico, Odell Nails III seguiu em carreira como advogado e Hobey Echlin se tornou jornalista musical trabalhando para um jornal local.

David Stroughter, após trabalhar um tempo para a MTV, formou uma nova banda chamada P.S. I Love You. Em 1999 ele lançou o single “Where the Fuck is Kevin Shields?” sobre o sumiço da mídia do vocalista do My Bloody Valentine.

Stroughter sempre teve problemas com a sua saúde mental e o fato de ser um homem negro nos EUA também trazia a violência do racismo. Nos anos 1990 ele foi acusado falsamente de assalto a mão armada e chegou a ser preso pelo ocorrido. Com o tempo a sua saúde mental também foi se deteriorando e mesmo tentando seguir a com a carreira na música ele nunca conseguiu emplacar no meio. Ele fazia alguns pequenos serviços quando precisava de dinheiro e com o tempo o acesso aos remédios que ele precisava se tornou escasso.

David Stroughter. Foto: Jack Nelson.
David Stroughter. Foto: Jack Nelson.

Em 18 de janeiro de 2017, David se envolveu em um incidente com a polícia, enquanto sofria um surto psicótico ele ameaçou os policiais com um machado e foi abatido pela polícia. Os policiais que o alvejaram alegaram legítima defesa e foram absolvidos. Ele tinha 50 anos e estava na fila de espera para receber ajuda com a sua doença.

Por mais talentoso que ele fosse, no fim ele não conseguiu escapar do racismo e violência. Antes de sua morte David escreveu para sua irmã e disse que se algo acontecesse com ele o seu maior desejo é que a sua música fosse ouvida.

Em 2007 foi lançada uma primeira coletânea do grupo chamada I Love You in Other Cities com as principais faixas do álbum Love15 e dos EPs lançados anteriormente.

Em 2024 o banda retornou dessa vez com um álbum duplo chamado “Butterflies Don’t Go Away“. Lançado em abril de 2024 o trabalho traz canções do álbum Love15, e singles remasterizados dos EPs “Fan” e “Sans Muscles“.

Butterflies Don’t Go Away” é o retorno merecido de uma banda que tinha um potencial enorme. Nunca saberemos tudo o que eles poderiam ter alcançado se tivessem conseguido lançar o seu primeiro trabalho naquele setembro de 1993, mas podemos ouvir o Majesty Crush hoje e celebrar a memória de David Stroughter.

Referências:

https://www.thefader.com/2024/04/04/majesty-crush-butterflies-dont-go-away-interview
https://honeyontheknife.com/my-butterflies-wont-go-away-the-story-of-majesty-crush/
https://pitchfork.com/reviews/albums/majesty-crush-butterflies-dont-go-away/

Copyright © 2016-2024 Sopa Alternativa. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução, total ou parcial, do conteúdo sem autorização prévia da autora.

Topo